Por Isabel FransonAconteceu a cerca de 100 quilômetros da Baixada. Mas poderia ter sido mais perto. Poderia ter sido na nossa cidade ou na escola próxima à nossa casa.
O fato é que, no Brasil inteiro, pais, mães, professores e todos que têm crianças em sua responsabilidade sentiram a dor das famílias envolvidas.
Em Santos, psicólogos e educadores analisaram a situação e se posicionaram quanto a possíveis causas e, principalmente, de que maneira podemos acompanhar acrianças e adolescentes para prevenir novos incidentes.Qual é a maior perda da sociedade quando acontece uma tragédia deste tipo numa escola?
Lenice Micheletti (diretora pedagógica) – Quando a violência atinge aquele que deveria ser o local mais seguro para as crianças e adolescentes, a escola, o sentimento de impotência e indignação toma conta da sociedade. A maior perda, além das vidas tão jovens que foram interrompidas, com certeza é a perda da confiança e da esperança.
Roberto Debski (psicólogo) – Quando algo acontece numa escola, isso acontece para a sociedade toda. Numa tragédia dessa proporção, quando há crime, desamor, a sociedade como um todo perde. Por outro lado, como sempre devemos ver algo positivo, há uma possiblidade de uma semente do bem. Que é a sociedade passar a olhar para isso e analisar novas possiblidades. As escolas olharem para seus alunos, as famílias olharem para seus jovens, e entender o que está levando essas crianças ao bullying, à agressividade.
Já que não podemos recuperar as vidas perdidas, inclusive as dos autores, como as escolas – esta, em específico – pode retomar os trilhos e superar a tristeza? Qual o papel destes educadores? Abafar o caos ou debater o assunto?
Lúcia Teixeira (Doutora em Psicologia da Educação) – Temos que conversar, mas com delicadeza. Tanto instituições de ensino, quanto familiares, precisam sempre enfatizar valores de amor, respeito e sentimentos positivos. Não que vá só pregar o otimismo. Vamos pregar o realismo. Mas é fundamental que se converse.
Roberto Debski (psicólogo) – Nós nunca devemos abafar o caos. O debate nessas horas é essencial para entender os motivos que levam alguém a agir dessa maneira. A partir deste entendimento, podemos fazer ações preventivas, curativas, sociais. Por isso, é fundamental o papel dos educadores e das famílias de ampliarem a consciência e formar jovens educados, resilientes e fortes, que lidem com o próximo de forma respeitosa e ética.
Seriam bullying, violência cotidiana e videogame faíscas que incitam esse tipo de comportamento como os dos jovens autores do crime? Como uma escola discute tais assuntos com alunos?
Lúcia Teixeira (Doutora em Psicologia da Educação) – É sabido que o incômodo psicológico e emocional pode provocar comportamentos alterados. Mas não é necessariamente só isso. Nesse caso, precisaria haver um total estudo e provavelmente nunca encontraríamos uma resposta exata. Numa escola e, mais ainda, na sociedade, é necessário falar com uma linguagem que eles entendam. Que se adapte às idades. Por esse motivo, o papel da mídia e também da maneira como aborda o ocorrido é tão importante. De repente, ao invés de focar nas situações ruins, podemos falar dos bons exemplos. Como a professora e a merendeira, que impediram a tragédia de ser ainda maior.
Juliana Ferramenta (diretora pedagógica) – Não acredito que o motivo seja bullying ou videogame, acredito que a falta de valores e o abandono emocional sejam os maiores culpados desta tragédia. A BNCC (Base Nacional Curricular Comum) prevê a competência socioemocoinal como obrigatória para todas as instituições de ensino do Brasil. A educação socioemocional hoje tem uma grande importância no nosso País e a aplicação passou a ser obrigatória no ano de 2019. Com certeza teremos bons resultados no futuro.
Roberto Debski (psicólogo) – Nós não podemos colocar a responsabilidade no bullying e no videogame. Isso acontece numa minoria de casos. Muitos jovens hoje são vítimas disso, mas somente uma minoria absoluta vai chegar a este extremo. Esses jovens provavelmente tenham algum outro transtorno psiquiátrico que não foi identificado. Esses incômodos podem até potencializar, afetar. Mas quando temos uma educação de resiliência e afeto, nós nunca deixaremos que isso domine. Um jovem que chega nesse nível já vem de uma situação crítica, que não pode ser depositada no bullying e nos games.Qual posicionamento e atividades uma escola pode ter com os alunos para prevenir tais angústias e comportamentos? Existe uma idade certa das crianças para isso?
Lenice Micheletti (diretora pedagógica) – Fazer uso de programas socioemocionais. No nosso caso, o intuito do Líder em Mim é desenvolver nas crianças as competências necessárias, para que elas se tornem protagonistas na sociedade. O aprimoramento de características como resiliência, liderança e cooperação é uma preocupação que tem crescido no Brasil nos últimos anos. Aqui, introduzimos o programa desde o Ensino Fundamental, com a finalidade de oferecer o suporte que eles para superar traumas ou situações que as abalam psicologicamente, além de poder cuidar da saúde emocional daqueles que ainda não apresentavam qualquer tipo de problema.
Roberto Debski (psicólogo) – As escolas devem ter atividades, grupos… Discutir com alunos, famílias, sobre relacionamento, comportamento, educação, cidadania… Fazer vivências, encontros… A escola deve estar aberta pra sociedade e para a família. Para que esses jovens cresçam de uma maneira saudável, entendendo quais são os limites que nós temos e qual a nossa responsabilidade social. Isso não existe idade, pode ser feito desde cedo. Ensinar a agradecer, respeitar, pedir por favor. É um modelo de educação que deve vir das famílias, mas deve ser reforçado na escola.
Programas de liderança estudantil fazem a diferença para uma geração de crianças e adolescentes que têm contato com esses valores?
Juliana Ferramenta (diretora pedagógica) – Por aqui, fazemos parceria com a Escola da Inteligência, um programa de gestão de emoção para crianças que envolve também a família. As atividades ensinam as crianças a lidar com frustrações, terem empatia, nomear sentimentos e expor seus medos. Podemos notar muita diferença no comportamento das crianças que participam do programa.
De que forma podemos cuidar das nossas crianças e ficarmos atentos para evitar novas tragédias como essa?
Juliana Ferramenta (diretora pedagógica) – Cabe aos pais ou responsáveis se aproximar de seus filhos, conversar, saber o que eles gostam, o que eles temem, temos que ser amigos de nossos filhos.
Lenice Micheletti (diretora pedagógica) – Como escola, precisamos observar atentamente cada um dos alunos, conversar com pais e responsáveis, ter apoio de profissionais da psicologia. Como cidadãos precisamos disseminar que os males psicológicos são assuntos sérios e devem ser tratados como tal. A escola é um espaço privilegiado, que pode promover o aprendizado para muito além do conteúdo acadêmico: criando ambientes de acolhimento, escuta e respeito e estruturando ações e projetos que abordem isso de maneira contínua.
Lúcia Teixeira (Doutora em Psicologia da Educação) – Conversa e carinho são fundamentais. A escola sempre poderá fazer sua parte, mas claro que nunca substituirá a família. O contato frequente com os jovens, para que eles nunca sintam ausência de amor e atenção, manterá as portas abertas para que eles desabafem sobre tudo, seus medos e angústias.