No banco da praia, com a cara no celular, assisto maravilhado ao vídeo do marionetista de rua em Nova Iorque. O pequeno boneco é poético e engraçado. Aos pés do artista, dialoga com o público, chora, provoca. Faz a alegria da família que passa, das senhoras, dos jovens. A praça na grande metrópole vira um lugar mágico, repleto de poesia e tranquilidade.
É um deleite também para quem assiste o vídeo. Somo mais um “like” aos outros seiscentos mil que demonstram satisfação através desse ritual de aprovação digital. Imagino quantos são de brasileiros, quantos de santistas gostaram do vídeo.
Por coincidência, no semáforo mais próximo, reparo no malabarista de rua. Quando o sinal fecha, tem o tempo exato. Sobre a faixa de pedestre posiciona-se rápido, faz um cumprimento respeitoso à sua platéia de motoristas e passageiros. Joga as claves, evolui com elas. Pára, dá um giro, apanha pernas de pau e num segundo escala-as com as tres claves na mão. Lá do alto, retoma o malabarismo. Equilibra uma delas no queixo. Desce, carrega as pernas de pau, coloca-as na calçada.
Apanha o chapéu e humildemente com seu melhor sorriso, aguarda algum retorno das poucas janelas abertas. O sinal abre, os carros partem. É o tempo que tem para respirar, arrumar o equipamento, concentrar-se e retomar o sorriso e o empenho que lhe trarão algumas moedas.
Impossível não perceber a diferença desse dois artistas, que não está na habilidade e, obviamente, não está na dedicação de cada um a sua arte. Ambos são excelentes no que se propõe.
O marionetista de Nova Iorque e o malabarista de Santos são membros da mesma tribo, a dos homens que insistem na beleza, na poesia e no sonho. E compartilham sua arte onde podem, contribuindo para um mundo melhor. Mas o artista de Nova Iorque habita uma cidade que entendeu melhor de onde vem sua beleza. E se beneficia com isso. Satisfazendo melhor seus habitantes e melhorando os rendimentos do turismo, é claro.
O artista de rua em Santos é jogado a uma máquina. Diante de uma platéia que raramente está em um momento de lazer, sincronizado ao transito, torna-se parte dessa máquina e seu esforço heróico e poético de embelezar o mundo, disfarça pouco nossa tosca cultura urbana, nosso fraco entendimento de como se faz uma cidade mais humana e acolhedora.
Passo diariamente pelos jardins da praia. Também aos domingos quando o movimento é tão intenso. E sempre me pergunto por que, nesse jardim maravilhoso, não há um único artista de rua? Não há um marionetista, não há um músico, não há um contador de histórias, não há um palhaço sequer a sorrir e brincar.
Imagino o quanto seria bom às famílias trazer suas crianças para assistir aos artistas a cada domingo de sol.
Numa cidade que envelhece progressivamente, por que insistimos em incentivar na praia apenas atividades esportivas? Que bom que nossos idosos sejam ativos e também façam seu esporte. Mas é a arte que realmente une idosos, jovens e crianças.
Estamos perdendo muito com essa ausência.
Perdendo em beleza, em alegria, em reflexão. Perdendo em mostrar aos turistas que essa cidade é algo mais do que se vê.
Enquanto isso, os nossos artistas, que nasceram para a Arte, mudam-se para a capital, onde ao menos há uma avenida Paulista aberta e acolhedora. E os que não vão encaixam-se na maquina do transito, revelando nossa falta de senso.
E enquanto penso nisso, o malabarista no semáforo perto de mim é interrompido pela Guarda Municipal. E, como um criminoso, impedido de praticar sua arte.
Tem os instrumentos de trabalho recolhidos, é humilhado, tratado como um incômodo.
Longe do celular, o espetáculo nas ruas de Santos é bem triste.
Estamos perdendo o melhor de nós.