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1.0 - SANTOS

O mais complexo e insondável enigma

“Não sei se voce é um gênio ou um idiota…”
 
Ouvi essa frase na adolescência, dita por um amigo espantado com o que eu acabava de dizer. Pode ter sido por alguma elucubração sobre os motores fotônicos, cujos mistérios freqüentavam minha mente na época. Ou talvez por alguma frase da mais rasa filosofia de porta de banheiro que tenha merecido seu asco. De fato não lembro o que eu disse.
 
Lembro apenas da dúvida. Seria eu um gênio ou um idiota?
 
A princípio fiquei feliz e vaidoso. Afinal, até ali ele era o gênio. Diferente da maioria de nós adolescentes, ele lia bastante. E por ser filho de sindicalista sabia de coisas que na época eu nem desconfiava. Então, se havia uma chance de eu ser um gênio, isso era fantástico. Comemorei por um tempo, saboreando a maravilha de meu intelecto privilegiado, de saber que eu tinha algo a mais que o comum dos mortais, que eu poderia compreender além do pensamento da maioria, que…
 
Levou um tempo para que eu lembrasse da outra metade da frase. Aquela metade incômoda que dizia que eu… talvez fosse… um idiota. E não foi preciso ser genial para entender que a chance era grande. Meio a meio! Então pensei muito nisso. E me dei conta que se eu fosse realmente um gênio, teria considerado essa outra possibilidade logo. E entendi a cruel realidade, sou um idiota. Era óbvio. Considerei primeiro a hipótese favorável, ser um gênio, e agarrei-me a ela. Ignorei a hipótese mais lúcida. Isso comprovava uma grande burrice. Que eu provavelmente repetiria. Não me restou senão assumir a minha profunda estupidez.
 
Mas logo percebi o que era sábio reconhecer a minha própria imbecilidade. Um verdadeiro idiota jamais reconheceria. E ficaria se enganando, fugindo da realidade. Mas eu não.
 
Reconhecia e assumia, com orgulho, a minha completa falta de inteligência. Então concluí que eu era um idiota sim. Mas com uma capacidade genial de perceber minha idiotice.
 
Depois pensei que talvez eu fosse apenas um gênio com uma estúpida capacidade de ignorar minha genialidade.
 
E me enrolei nessa dúvida por um bom tempo. Parecia ser a questão mais complexa que eu poderia encarar na vida. Imaginava que, na velhice, escreveria um tratado sobre isso. E que ajudaria a humanidade a dar um grande salto na compreensão filosófica da existência.
 
Mas, alguns anos depois, a vida me fez trombar com o realmente intrigante enigma do universo, o mais complexo e insondável mistério que atormenta os homens desde o big bang: as mulheres. Lidar com as mulheres elevou a contradição entre genialidade e estupidez a limites extremos, exauriu toda a lógica, superou qualquer coerência. Tudo foi explicado e nada fez sentido. Tudo foi tão simples e absurdamente desconexo.
 
E passei os anos seguintes acumulando erros, bobagens e ações bem estúpidas. Bem, acho que houve momentos geniais também. Momentos maravilhosos e até bem românticos.
 
Mas esses são como névoa na memória. Não consigo agarrá-los. Fogem fugazes e só retornam quando toca aquela música, ou quando um certo alguém faz aquele gesto mágico que me acorda os sentidos. Já os momentos mais afeitos ao fracasso, ah, esses grudam na memória como super-bonder. E é um custo arrancar. Como na festa em que quis tanto ficar com uma garota que enchi a cara nos primeiros vinte minutos da festa, vomitei aos trinta, caí de bêbado aos quarenta minutos do primeiro tempo e acordei no dia seguinte no chão da garagem ao lado do cachorro. Fui pra casa com a impressão de ser um lixo estúpido e tosco.
 
Mas naquele dia mesmo conheci a alta complexidade cósmica.
 
Pois no meu bolso encontrei um bilhete rosa com o número do telefone dela. E atrás a rima pobre que me enriqueceu a vida: “Voce me fez sentir melhor, me fez sentir mulher. Me liga quando quiser”.