A qualquer momento de sua vida, seja na rua ou naquela festinha particular, alguém pode erguer o celular como quem saca uma arma e tirar uma foto sua. Ela pode variar entre a beleza da espontaneidade e a crueldade do flagra repentino, deixando sua face como a de quem tem algum ataque ou problema de saúde que necessite de internação.
Tempos modernos, impossível fugir disso e dos paparazzi amadores.
Mas quando a compulsão pela fotografia atinge o nível de escrotidão máximo ao fotografar pessoas mortas em acidentes, assaltos, tiroteios, cirurgias ou qualquer outra tragédia que roubou a vida de alguém, meu amigo, aí é que a humanidade falhou de vez.
Como em uma distopia em tempos de Black Mirror, o número de compartilhamentos de fotografias com gente morta em grupos de WhatsApp é alarmante.
Vá lá que repassar os nudes de alguém que teve sua intimidade vazada na internet é eticamente questionável, mas podemos até compreender tal crime pela ótica de nossos instintos animais. Mas qual a graça em ver corpos sangrando, destroçados, esquartejados ou reduzidos a uma carne como a que compramos no açougue?
Os retratos tirados na época de meus avós mostram que a fotografia nada mais era do que a representação de um momento. Algo a ser registrado para a posteridade. Era até necessário registrar os velórios e enterros para que os parentes distantes aceitassem o passamento daquela pessoa querida.
Daí a admitir como normal que seja mais importante puxar os smartphones com flash para registrar a tragédia alheia, vai uma distância abismal. Minhas orações pedem que um meteoro siga o GPS rumo à Terra quando a banalidade da vida e da morte não seja estranhada por gente boa, com a curiosidade pela mutilação de quem já não respira.
Não é a melhor forma de prevenir acidentes mostrando motoqueiros esparramados pela estrada. Não vai acabar a violência se mostrarmos bandidos furados por bala após tentativas de assaltos ou sequestros. Ninguém aprende a nadar vendo o corpo de um afogado ou evita-se vazamento de gás por causa de um corpo carbonizado no grupo da família, dos amigos ou do trabalho.
Isso só reflete a desumanidade de um mundo cada vez menos digno, de quem não respeita as famílias e o luto alheios.
Se forem necessárias fotos para nos provar a tragédia cotidiana de uma sociedade cruel e falida, já não faz mais sentido a esperança de um mundo minimamente melhor que esse.
Que haja vida após a morte para que os espíritos puxem os pés de todos aqueles fanáticos por fotos de gente morta, como maníacos, tarados da desgraça humana, filhotes em caricatura de Datenas.
No meu testamento, não deve haver bens para serem compartilhados. Só uma recomendação: processem quem fotografar meu cadáver.