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COLUNISTAS ///

Nunca me lembro de comprar roupas novas

Sou parte daquele grupo de pessoas que são reconhecidos pelas roupas, umas até exóticas. São personagens de filmes ou históricos os protagonistas das estampas de minhas camisas, ignorando as marcas usuais e corriqueiras que a maioria endeusa, transformando vestimentas em meras propagandas e enriquecendo ainda mais os mesmos de sempre sem receber nada pelo merchan – pelo contrário: pagando.

Nunca foi intencional ou um movimento particular contra o trabalho escravo a que são submetidos bolivianos, indianos ou chineses para o uso de uma roupa que por ser de marca custa o triplo, mesmo que não possua diferença do tecido que cobre minha mesa. Mas confesso que alguma vaidade particular me faz priorizar os que admiro enquanto ando por aí, para o trabalho ou para a balada, para o bar ou até à padaria.

Uso indiscriminadamente peças com Don Corleone, Fernando Pessoa, O Rappa e Muhammad Ali. Como um tique de quem tem TOC.

Diferentemente de amigos e familiares com guarda-roupas abarrotado, compras mensais, faturas de lojas de varejo sempre perto do limite enquanto me devem, não tenho paciência alguma para passar horas em lojas cheias com vendedores chatos dando sugestões para bater meta de comissão. Eu entro, escolho e saio tão rapidamente como quem toma banho gelado no inverno.

Então, as vestimentas de sempre vão ficando surradas, desbotadas e algumas até encolhem, até que chega um momento em que percebo uma repetição dos mesmos personagens nas fotos de forma consecutiva e tomo vergonha na cara para substituir tudo aquilo. É quase um grito de socorro de quem está quase pelado e com o calçado abrindo a boca de tanto desgaste.

Não me sinto vestindo a capa do Super-Homem nem consigo me ver mais bonito pela roupa ser de marca X ou Y. Detesto a padronização estética em que usamos trajes desconfortáveis para ficar na moda, mas não sou um radical ou ativista em defesa de compras em brechós para não alimentar essa indústria tonta. Ainda assim, sempre doo o que há de excesso e procuro ter para vestir nada além do necessário.

Já passei perrengue às vésperas de casamentos pedindo ternos emprestados e nunca cultivei coleções de pares de tênis. É só uma roupa, um rótulo. Não quero que elas virem a pipoca que jogamos ao macaco da vaidade preso à gaiola de zoológico do nosso ego incansável.

A forma como nos vestimos é como a capa de um livro: pelo título, arte ou textura pode chamar muita atenção, mas se a história e o conteúdo no interior não for interessante, o tempo nos converterá em um simples apoiador de mesa.