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COLUNISTAS ///

Esse cheiro de gudang que não me larga

Cheguei cansado, suado, zonzo. Deitei e parecia que o mundo girava sem parar, não sei se existe algum tipo de hipersensibilidade aos movimentos de rotação e translação. Deve ser o álcool mesmo.

Quando acordei estava tudo empesteado, é sempre assim. Nos cantos, nas roupas, no quarto, no ar. Bons tempos aqueles em que me incomodava mais com o cheiro de cigarro e do gudang, seu primo com roupa de grife. Ótimos tempos em que a cerveja também era de gosto amargo e não doce como depois dos 15 anos.

De onde eles vêm? Da fronteira não sei da onde, dizem. Sei lá. Mas tem um monte de gente ao redor lançando essa fumaça estranha e seu cheiro fica impregnado em todos os lugares. Deve ser uma praga, um karma, o destino.  

O ambiente fechado deixa tudo ainda mais forte, acredite. Se a lei já não funciona muito bem nos ambientes ditos civilizados, não ia ser na festinha de ontem que os pulmões seriam preservados.

Todos começam a beber e a dança do “pega o maço – alguém tem isqueiro? – deixa eu dar um trago†vai se repetindo como em um looping infinito. A neblina cobre o ar como na descida da serra, os não-fumantes se sentem dentro do jogo Silent Hill, com o agravante de que, ao contrário do lazer virtual, o cheiro aqui é real demais para as narinas mudas.

No começo da adolescência era uma regra sempre avisar ao pai e à mãe que baladas são assim, lugares confinados não mudam, a roupa fica podre mesmo, põe isso pra lavar e vem para a mesa almoçar, se divertiu ontem, meu filho?

Agora sinto um odor misto de canela com fumaça de câncer de pulmão, ouço tosses tuberculosas no banco do carro quando deixo todos em casa e elas por último, necessito de um banho curador de ressaca moral e pulmonar, não suporto mais olhar para esse cigarro adolescente em todos os cantos a que vou.

Gudang, garam, gudang garam. Pior de tudo é que seus usuários ainda nutrem uma falsa intimidade, como se fosse um amigo próximo ou aquele vizinho da rua de cima. Alguns tentam até glamourizá-lo, como naqueles filmes antigos. Doce ilusão.

Que se danem as campanhas necessárias de prevenção antitabagismo, eu sei me cuidar, mas me sinto hipnotizado com esses maços me cercando por todos os cantos. Já falei milhões de vezes que não me incomodo com sua presença, mas não precisa tentar me seduzir até o dia seguinte para mostrar sua presença vencedora a destruir a saúde de amigos, parentes, amores ou tudo isso junto.

Fica aí no seu canto com seus gêmeos, mas não me incomode.

Alguém joga um spray nas paredes, no guarda-roupas, no casaco que usei apenas ontem, nas meias, no tênis, no óculos, no relógio, nas janelas, na televisão, na alma, nos pulmões.

Prometo nunca mais sair para lugares com fumo livre para fugir desse cheiro eterno como um sonho impossível, não sou obrigado, não fumo, não quero, não enche.

Quando meu telefone tocar no fim do expediente da próxima semana, esqueçam essas minhas palavras.