Eu, um agnóstico ou deÃsta – ainda me confundo –, fui criado no catolicismo, do qual minha mãe frequenta igreja e discorda de tantas e tantas crenças e atitudes. Meu pai não tem religião, embora criado em uma famÃlia que flertava entre o protestantismo, o candomblé e a umbanda. Uma irmã flutua entre o espiritismo com crença em signos e simpatias, enquanto a outra compartilha do meu ceticismo como quem divide um pão em duas partes.
Tenho grandes amigos ateus e neopentecostais, morei em uma casa que já foi um terreiro e vejo tudo isso com a maior naturalidade de quem entende diferenças que não encham minha paciência em vãs tentativas de me convencer do que para mim é óbvio.
Até hoje nada caiu do céu sem que eu tivesse que agir e apenas orar ou veio como troca de uma retribuição por um dÃzimo para um homem engravatado se passando por garoto de recados do divino em um púlpito gritando de forma espalhafatosa.
Aprendemos a mandar mensagens instantâneas e tirar fotos das genitálias em ângulos favoráveis, mas respeitar as diferenças religiosas ainda soa como um mistério divino em pleno século XXI.
E assim como os fiéis mais radicais do meu cÃrculo de amigos mal sabem o significado de versÃculo, já fui acusado de ser ateu, como se isso se configurasse como um crime maior do que enriquecer à s custas da fé alheia. Também fui gravemente denunciado por ter sido católico, feito um inquisidor a botar fogo nos hereges da Idade Média.
Chaplin e Stálin eram ateus como a madre Teresa de Calcutá e Hitler tinham sua fé em uma divindade. Será difÃcil entender que religião não define o caráter humano?
Num paÃs em que sobram igrejas e faltam escolas de qualidade, pensar em um simulacro de Estado Islâmico defendendo a tiros e bombas a fé da maioria cristã já não chega a ser uma distopia tão distante quando há até mesmo uma bancada no Congresso disposta a tornar nosso Estado cada vez menos laico.
Jesus é um cara legal, mas seu fã clube insiste em encher a paciência dos que não partilham da mesma fé no cara que dividiu mesa com prostitutas, pagãos, cobradores de impostos e outros pecadores de sua época.
Nesse mundo que escolhe os Barrabás há mais de dois mil anos, ser essa maioria não te faz automaticamente mais digno do que ninguém, caro irmão. E quem não nutre esperanças na metafÃsica tampouco se torna intelectualmente superior aos fiéis.
Deixe eles pensarem diferente, acreditarem de outra forma, cultivarem seus rituais, rezarem ou orarem, acenderem velas e adorarem imagens desde que não atravessem a linha imaginária do direito alheio. O próprio ato da tentativa de conversão deixa implÃcito que você acha sua fé superior à dos outros. Que prepotência, não?
Os gritos do pastor e os batuques no tambor, quando altos demais, perturbam o sono de alguém do mesmo jeito. Há espaço para todo mundo.
Fique na paz de Cristo, Maomé, dos orixás, dos espÃritos ou do Cosmos, mas lembre-se de que ninguém é obrigado a acreditar no mesmo deus que o seu, nem em nada.