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- INVISÍVEL

Fantasia armada e veloz

Muita gente se espanta com as fantasias exóticas mostradas em reportagens sobre sexo. Gente vestida de personagens curiosos, encoleirada, mascarada ou o que mais cause excitação além de um corpo nu à espera é visto com olhos arregalados.

Estranho é ver pouca surpresa pelo fetiche com carros cada vez mais velozes em ruas sempre esburacadas e recheadas de lombadas, além da obsessão por armas que mela cuecas e calcinhas por aí.

No processo diário e irreversível de imbecilização da sociedade, o carro deve estar entre um dos itens principais. Direção defensiva é uma lenda urbana na qual pouca gente acredita. O sinal mal ficou vermelho e já se ouve a buzina – atenção: onde há buzinas, há idiotas.

Arriscam-se tantas vidas em prol de correr em um circuito sem linha de chegada onde o sangue borbulha na menor demora, ultrapassagem ou espera que não diminui em um minuto o percurso final. A urgência por uma resposta no celular é mais importante do que o pedestre atravessando a rua.

Esse símbolo de sucesso vai poluindo o mundo, enquanto pouquíssimos veem nele um mero instrumento que nos transporta daqui para lá: é necessário se mostrar mais rápido e maior, como se o veículo representasse um pênis à mostra de quem passa na rua. A acelerada intimidadora de quem se acha na Fórmula 1, o zigue-zague de quem se sente o Schumacher espantam quem tem dois neurônios ou mais.

Engenheiros passam décadas projetando suspensões para que um “jênio” rebaixe tudo, sentindo-se protagonista de um filme sem história em que um ator até morre por correr demais. Há também a tal indústria das multas: embora a burocratização e a máfia de todos os sistemas vigentes por aqui sejam nítidas, difícil não aceitar que quanto mais dirigimos em velocidade civilizada, menos gente morre em acidentes por aí.

O ser humano já perdeu seu direito às ruas faz tempo: as máquinas venceram.

Para completar, só nos resta observar o quanto ainda há quem acredite que a solução para todos os problemas de violência seja distribuir armas de fogo feito doce na mão de quem trabalha honestamente. Toma-se um ou outro exemplo de quem escapou de assaltos para mostrar que apenas a democratização da bala resolveria nossos altíssimos índices de mortes anuais.

Pouco importa se os profissionais que lidam com isso diariamente foram treinados por tanto tempo para diminuir os riscos de quem está a sua volta. Vamos nos armar todos e completar o ciclo de carros que mais matam do que transportam.

Aquela imagem de alguém segurando algo que tira vidas vira símbolo de poder e representa muito além de um mecanismo de defesa, mas de ataque.  

Dirigir civilizadamente como quem só quer chegar ao seu destino e não coloca no veículo todos seus sonhos, frustrações e razão de viver deve ser estranho. Acreditar que soluções individuais de vingança feito um faroeste do Clint Eastwood não resolvem os problemas estruturais e caóticos de um país sempre tão brutal é coisa de louco.

Cada um com seus fetiches.