Anderson Firmino
Da Agência Só Esportes
Dourado é um peixe cujo nome científico é Salminus brasiliensis, que existe em vários rios da América do Sul, como o da Prata e o Amazonas. Se ele ganhasse contornos humanos, certamente seu nome seria Ana Marcela Cunha. Afinal, ninguém juntou a água e a cor dourada de forma tão eficaz quanto ela nos últimos anos.
Etapas da Copa do Mundo de Maratona Aquática, atual Fina Marathon Swim World Series, são – por ora- 25 conquistas. Tanto que foi parar no Guiness Book, o Livro dos Recordes. Em Campeonatos Mundiais, foram mais dez medalhas sendo um tetracampeonato nos 25 km (2011, 2015, 2017 e 2019), tornando-se a mulher brasileira com mais pódios em Mundiais em todas as modalidades olímpicas.
Isso sem falar em Jogos Pan-Americanos de Lima, Jogos Mundiais Militares, Jogos Mundiais de Praia. E, claro,ela também é dona da vaga para mais uma tentativa de buscar a sonhada medalha olímpica. Claro que prata ou bronze não seriam mau negócio, pelo contrário. Mas Ana sabe que o ouro é possível. E cada segundo de preparação para Tóquio tem esse objetivo.
Ana Marcela Cunha conversou com a Agência Só Esportes na última sexta-feira (27), à beira da piscina da Universidade Santa Cecília (Unisanta), na última janela de entrevistas antes dos Jogos Olímpicos. Mais de uma dezena de veículos foram ouví-la. Pacientemente, atendeu cada equipe, com a humildade de quem, aos 27 anos, é capaz de voar – ou nadar – ainda mais longe. Coisa de peixe grande.
Só Esportes: Virando o ano, já começa a aumentar a expectativa.
Ana Marcela: Vai começar um ano olímpico. Embora, para a gente, acho que ele já começou, quando nos classificamos. Entramos na contagem, faltando 365 dias para a prova. Temos nos preparado muito bem, em locais quentes e úmidos, com bons resultados. A ideia é continuar assim nesses sete meses, até o dia da prova. É trabalhar treinar bem, se dedicar muito, para nas provas que vão ocorrer antes da Olimpíada, também fazê-las bem.
SE: Uma das suas estratégias é ficar mais quietinha, na miúda, como se diz. É meio por aí, para surpreender?
AM: A gente viu que, no Campeonato Mundial (em Gwangju, na Coreia do Sul, em julho), a gente foi muito marcada (pelas adversárias) pelos resultados que a gente teve anteriormente. E nossa estratégia é bem essa, não competir em muitas etapas de Copa do Mundo, onde está todo mundo. São etapas que têm filmagem, por exemplo. Então, vamos ficar um pouco em off. Não é deixar de lado as competições, porque a gente não consegue. Vive disso, é onde põe em prática tudo o que se treinou. A gente vai competir, sim, mas uma etapa da Copa do Mundo no início do ano, e nadar em outras duas em que estaremos como convidados, uma na França e outra nos EUA. Tem outra etapa da Copa dois meses antes da Olimpíada. Daí, são só os Jogos.
SE: E sobre o prêmio da SwimSwan que você ganhou? Desde o começo, parece haver um revezamento entre você e a Sharon (Von Rouwendaal, holandesa campeã olímpica no Rio/2016)
AM: É muito bom conseguir me manter nesse alto nível, ter esse equilíbrio conseguir, todo ano, bons resultados. Então, está sendo um revezamento bom (risos). Não é algo fácil de manter. Esse é o grande key (chave) do esporte, onde, mesmo se em um ano não for tão bom, no outro é. Ou às vezes se manter em alto nível durante três, quatro anos. Mas não passo um ano pensando se vou ser eleita ou não a melhor do mundo. Mas sim apenas querendo conseguir meus resultados e pôr em prática aquilo que treinamos todos os dias.
SE: Campeã mundial nos 5 Km e 25 Km, e vaga olímpica nos 10 Km. Foi um ano e tanto…
AM: Teve mais coisa ainda. Ouro nos Pan-Americano de Lima, Mundial Militar, Jogos de Praia… Foi um ano de muitas viagens, muitas provas. E consegui me manter em cada prova, com desempenho em alto nível. Até no final do ano, quando já estava cansada, minha quarta viagem para a Ásia, fomos aos Jogos de Praia e consegui três medalhas em três provas. Em 2020, é cada vez que a gente cair na água, ir atrás de uma medalha.
SE: Você amadureceu bastante desde sua primeira Olimpíada, em Pequim/2008. O que a Ana Marcela atual aprendeu com a que foi aos dois outros Jogos Olímpicos (Também esteve no Rio/2016)?
AM: Já são quatro ciclos olímpicos. Doze anos entre a primeira Olimpíada e a próxima. A gente cresce não só como atleta, mas também como pessoa. O esporte, hoje em dia, é muito mais profissional. A maratona cresceu bastante. Então, temos que nos adequar a isso também. É como um emprego para nós. Faço isso não para ganhar dinheiro, mas porque sou feliz aqui. Graças a Deus, tenho um dom e um talento para nadar e competir bem. Ganhar ou não é consequência, mas você deve ter respeito com quem te apoia. Aos meus apoiadores e colaboradores, tentamos ser profissionais ao máximo. Por isso que tive esse amadurecimento.
SE: Como é ser referência para uma nova geração de nadadores?
AM: É muito gostoso. Já vivenciei o outro lado, de ter ídolos, de querer ser como eles. Hoje, poder ser um espelho para muitas crianças e adolescentes é mostrar para eles que nada é fácil. Mostrar a realidade, porque não preciso enganar nada nem ninguém. O mais prazeroso é ser quem eu sou e ao mesmo tempo, mostrar que dá para se divertir fazendo o que se gosta, não por obrigação. Tem pessoas que a gente não consegue levar para a natação, mas consegue ensinar algo para quem quer ser profissional na vida. Vai ser difícil em qualquer lugar. Ser o melhor no que você faz é algo sempre muito difícil. Seja no esporte ou dentro de um escritório.
SE: E os mais jovens te ouvem…
AM: A gente sabe que essa nova geração vive muito aqui (simula o uso de um celular com as mãos). Então, há uma aproximação, por meio das redes sociais. Sou uma pessoa que toma conta das minhas redes. Arrumo um tempinho, tento bolar algumas coisas de interação durante a semana, que não atrapalhe meu descanso, para que possa conseguir responder a todos.
SE: Você nadou em Manaus, no Rio Negro, recentemente. É parecido com o que vai encontrar em Tóquio?
AM: É m ais ou menos. A diferença é que a água não é salgada, é doce, e um pouco mais pesada. A umidade e o calor são muito parecidos. Em Rio Negro, a gente brinca que, de vez em quando, dá um mergulho, de tão quente que é na parte superior da água. É um local que a gente gosta de estar lá, bem parecido com o que a gente pode encontrar em Tóquio. Como na etapa (da Copa do Mundo) de Seychelles, muito quente e úmido. Doha, também, no Mundial de Praia. Largamos às seis da manhã, e a água já estava a 30º.
SE: Você teve uma grande perda há poucos dias, o Baixinho, um dos seus primeiros treinadores ainda na Bahia.
AM: Falando dele, olhando para trás, ao querendo lembrar da parte triste, de ele ter nos deixado. Há um mês, estive com ele em uma prova em Salvador e pude estar junto, agradecê-lo. Percebi a felicidade dele ao ver onde estou, aonde cheguei. É importante reconhecer aqueles que nos fizeram. No meu primeiro Mundial, em 2006, eu treinava com ele. Quando mudei para Santos, em 2007, ele foi um dos que disseram “Vai! A gente sabe o quanto você pode crescer, o quanto tem para melhorar”. Se hoje estou voando, é graças a um dos empurrões que ele me deu. Com toda certeza, naquilo que eu conquistar em 2020, vou levantar o dedo para o alto. Porque vai ser para ele.
SE: Para fechar: se você ganhar a medalha olímpica, quem vai ser a primeira pessoa com quem você irá querer falar?
AM: Muito difícil (risos). Primeiramente, acho que com quem está comigo diariamente. São quatro pessoas que, espero, vão estar em Tóquio. Com certeza o Fernando (Possenti, técnico); meus pais, porque se mudaram , fizeram a vida deles se tornar a minha.; e a minha noiva (a jogadora de pólo aquático Diana Abba).
Fotos: Ivan Storti/Divulgação